Fenômeno sonambúlico
O Espiritismo em Toda Parte
EXTRATO DOS JORNAIS INGLESES
Um dos nossos correspondentes de Londres nos transmite a seguinte notícia:
“O jornal inglês The Builder (O Construtor), órgão dos arquitetos, muito estimado por seu caráter prático e retidão de seus julgamentos, tratou casualmente, várias vezes seguidas, de questões relativas ao Espiritismo. Nesses artigos ele cuida das manifestações da atualidade, fazendo o autor uma apreciação do seu ponto de vista.

“O Espiritismo também foi abordado em algumas das últimas notícias da Revista Antropológica de Londres; aí se declara que o fato da intervenção ostensiva dos Espíritos, em certos fenômenos, está muito bem provado para ser posto em dúvida. Aí se fala do invólucro corporal do homem como de uma grosseira vestimenta apropriada ao seu estado atual, que se considera como o mais baixo escalão do reino hominal; esse reino, embora o coroamento da animalidade do planeta, não passa de um esboço do corpo glorioso, leve, purificado e luminoso que a alma deve revestir no futuro, à medida que a raça humana se desenvolve e se aperfeiçoa.

“Ainda não é, acrescenta o nosso correspondente, a doutrina homogênea e coerente da escola espírita francesa, mas dela se aproxima muito, e me pareceu interessante como indício do movimento das idéias no sentido espírita deste lado do estreito. Mas lhes falta direção; flutua-se à aventura nesse mundo novo que se abre perante a Humanidade, e não é de admirar que nele a gente se perca por falta de um guia. Não é de duvidar que, se as obras da Doutrina fossem traduzidas para o inglês, congregariam numerosos partidários, fixando as idéias ainda incertas.”

A. Blackwell 7

CHARLES FOURIER

Numa obra intitulada: Charles Fourier, sua vida e suas obras,por Pellarin, encontra-se uma carta de Fourier ao Sr. Muiron, datada de 3 de dezembro de 1826, pela qual prevê os futuros fenômenos do Espiritismo.

Está assim concebida:

“Parece que os Srs. C. e P. renunciaram ao seu trabalho sobre o magnetismo. Eu apostaria que eles não fazem valer o argumento fundamental: é que, se tudo está ligado no Universo, deve existir meios de comunicação entre as criaturas do outro mundo e deste; quero dizer: comunicação de faculdades, participação temporária e acidental das faculdades dos ultramundanos ou defuntos, e não comunicação com eles. Esta participação não pode dar-se em vigília, mas somente num estado misto, como o sono ou outro. Os magnetizadores encontraram esse estado? Ignoro-o, mas, em princípio, sei que deve existir.”

Fourier escrevia isto em 1826, a propósito dos fenômenos sonambúlicos; não podia ter qualquer idéia dos meios de comunicação direta, descobertos vinte e cinco anos mais tarde,e não concebia a sua possibilidade senão em estado de desprendimento, que de certo modo aproximasse os dois mundos;mas nem por isso deixava de ter a convicção do fato principal, o da existência dessas relações.

7 N. do T.: Trata-se de Anna Blackwell, primeira tradutora para o inglês de O Livro dos Espíritos e de O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec.

Sua crença sobre um outro ponto capital, o da reencarnação na Terra, é ainda mais precisa quando diz: Um mal rico poderá voltar para mendigar à porta do castelo do qual foi proprietário. É o princípio da expiação terrestre nas existências sucessivas, em tudo semelhante ao que ensina o Espiritismo, conforme os exemplos fornecidos por essas mesmas relações entre o mundo visível e o mundo invisível. Graças a tais relações, esse princípio de justiça,que não existia no pensamento de Fourier senão no estado de teoria ou de probabilidade, tornou-se uma verdade patente.

PROFISSÃO DE FÉ DE UM FOURIERISTA

A passagem seguinte é extraída de uma nova obra intitulada: Cartas a meu irmão sobre as minhas crenças religiosas, por Math. Briancourt.8

“Creio num só Deus todo-poderoso, justo e bom,tendo por corpo a luz, por membros a totalidade dos astros ordenados em séries hierárquicas. – Creio que Deus atribui a todos os seus membros, grandes e pequenos, uma função a cumprir no desenvolvimento da vida universal que é a sua vida, reservando a inteligência para aqueles membros que a ele se associam no governo do mundo. – Creio que os seres inteligentes do último grau, as humanidades, têm por tarefa a gestação dos astros que habitam e sobre os quais têm missão de fazer reinarem a ordem, a paz e a justiça. – Creio que as criaturas preenchem suas funções satisfazendo suas necessidades, que Deus proporciona exatamente às exigências das funções; e como, em sua bondade, liga o prazer à satisfação das necessidades, creio que toda criatura, realizando sua tarefa, é tão feliz quanto comporta a sua natureza, e que os seus sofrimentos são tanto mais vivos quanto mais se afastam da realização dessa tarefa. – Creio que a Humanidade terrestre em breve terá adquirido os conhecimentos e o material que lhe são 8 1 vol. in-18. Librairie des sciences sociales. indispensáveis para cumprir sua alta função e que, em conseqüência, o dia da felicidade geral aqui não tardará muito a surgir. – Creio que a inteligência dos seres racionais dispõe de dois corpos: um formado de substâncias visíveis aos nossos olhos;outro de matérias mais sutis e invisíveis chamadas aromas. – Creio que, com a morte de seu corpo visível, esses seres continuam a viver num mundo aromal, onde encontram a remuneração exata de suas obras boas ou más; em seguida, após um tempo mais ou menos longo retomam um corpo material para o abandonar ainda à decomposição, e assim por diante. – Creio que as inteligências que crescem cumprindo exatamente as suas funções vão animar seres cada vez mais elevados na divina hierarquia, até que entrem, no fim dos tempos,no seio de Deus, de onde saíram, que se unam à sua inteligência e partilhem de sua vida aromal.”

Com tal profissão de fé, compreende-se que os fourieristas e espíritas possam dar-se as mãos.

R.E. , março de 1869, p. 108